quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Força na Peruca

Se teve uma coisa que me desestabilizou nessa história de câncer foi ficar sem cabelos. Caraca, me sentia a bruxa do 71, em seu dia de glória.
Logo após a primeira sessão de químio, quando fui advertida de que tinha 80% de chances de perder os cabelos, tive esperança de que eles não caíssem sem dó nem piedade como aconteceu. Aqueles fios ingratos se jogaram em massa de minha cabeça com em um suicídio coletivo, sem levar em conta anos de cuidados, tratamentos e investimentos. Nunca tente imaginar passar a mão pela cabeça e trazer junto algo como um rabo de cavalo na mão, pode parecer pesadelo. Foi um pesadelo.
Quando eles começaram a cair, duas semanas após a primeira aplicação de químio, consegui mantê-los com dignidade - se é que existe alguma dignidade em protelar a carequice - por uma semana.
Um monge tibetano não teria tamanha paciência, nem o iogue mais preparado maior concentração para penteá-los, prendê-los, tentar não fazer movimentos bruscos com a cabeça na intenção de segurá-los - como quem segura a mão do amor de sua vida na plataforma de um trem que já tá apitando - por mais algumas horas na cabeça. Hoje parece piada, na época cogitei o super bonder...
Quando a coisa ficou preta de fato e não existia mais dignidade naquela enrolação, cortei bem curto - eu mesma - na frente do espelho. Do dia seguinte em diante adotei minha piriquete, como as crianças chamavam a minha peruca, e não desgrudei dela durante quase 5 meses.
Em casa até usava lenços e bandanas, mas na rua só de peruca. Bem como tinha o cuidado de colocá-la quando vinha o entregador de pizza, de gás, enfim, qualquer um.
Tenho amigas que encararam numa boa a carequice a até ficavam bem charmosas. Mas desde o inicio vi que aquilo não colaria comigo.
Apenas meus filhos me viram sem peruca. Nunca fiquei sem peruca na frente do meu marido. Apenas uma vez ele me viu de cabeça pelada no momento em que sai do banho e abri a porta para pegar a peruca que havia ficado no quarto. Nunca me senti tão nua na frente de alguém. Que eu saiba essa foi a única vez. A não ser que tenha caído o lenço durante a noite e ele não tenha me contado...Bom, se isso aconteceu o silêncio dele foi nobre.
Acho que foi do desespero de quem passou por isso um dia nasceu a famosa frase "Força na Peruca". Ninguém pode imaginar o que um arremedo de beleza e vaidade que é uma peruca pode fazer pela auto-estima subterrânea de quem passa por essa experiência. Sair de casa sem que todas as cabeças - casualmente cheias de cabelos, se virem à sua passagem - sendo que não tem ninguém ali te admirando, não, é pura curiosidade mesmo - dá uma sensação de liberdade tão grande, que compensa o calor que frita os miolos e assa o couro cabeludo.
Não precisamos exibir a nossa dor, ao contrário podemos esquecer dela por alguns momentos e levar a vida numa boa, nem que seja de mentirinha.

3 comentários:

Anônimo disse...

Generosidade e coragem (a dor é que alimenta a coragem. Não podes ser corajoso se só te aconteceram coisas maravilhosas - não sei de quem é este trem) em dividir o que se passou contigo. Ao relatar o que se passou podemos visualiar e compreender (respeitar) as pessoas que passaram por isto. Muito obrigado (feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina - esta eu sei de quem é: Cora Coralina) Beijos. Charles

Lari Bohnenberger disse...

É, deve ser assustador perder os cabelos... ainda bem que eles crescem, né? E enquanto isso, o lado positivo da peruca é poder se conhecer com diferentes cores de cabelo. Rsss!
Bjão!

Ana Paula Sampaio disse...

É Mari... acho eu preciso de uma peruca... beijos, amiga!